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A “Pedagogia da Autonomia” de Freire e a “Autocomunicação de Massa” de Castells no fortalecimento do protagonismo estudantil na educação híbrida em tempos de pandemia

La “Pedagogía de la Autonomía” de Freire y la “Autocomunicación de Masas” de Castells en el fortalecimiento del protagonismo estudiantil en la educación híbrida en tiempos de pandemia

Resumo

Este artigo busca extrair as contribuições dos conceitos de “Autonomia” de Paulo Freire e de “Autocomunicação de Massa” de Manuel Castells para ajudar na compreensão dos processos de fortalecimento do protagonismo estudantil em tempos de hibridismo na educação. Como metodologia, optou-se por uma abordagem qualitativa, aplicando a técnica de pesquisa bibliográfica, a fim de analisar a literatura dos conceitos supracitados dentro do atual contexto de Covid-19. Entre os resultados da pesquisa, além de consolidar o princípio do protagonismo estudantil como o “pilar central” para o êxito da educação híbrida, evidenciou-se a urgente necessidade de, inicialmente, alfabetizar e conscientizar o estudante à cidadania digital e, concomitantemente, alinhar os atuais paradigmas pedagógicos universitários ao novo perfil do estudante da era digital.

Palavras-chave
Autonomia; Autocomunicação de Massa; Protagonismo Estudantil; Educação Híbrida

Resumen

Este artículo busca extraer aportes de los conceptos de “Autonomía” de Paulo Freire y “Autocomunicación de Masas” de Manuel Castells para ayudar en la comprensión de los procesos de fortalecimiento del protagonismo estudiantil en tiempos de hibridismo en la educación. Como metodología se optó por un abordaje cualitativo, aplicando la técnica de la investigación bibliográfica, con el fin de analizar la literatura de los conceptos antes mencionados, en el contexto actual del Covid-19. Entre los resultados de la investigación, además de consolidar el principio de protagonismo estudiantil como el “pilar central” para el éxito de la educación híbrida, se ha evidenciado una urgente necesidad de alfabetizar inicialmente y sensibilizar a los estudiantes sobre la ciudadanía digital y, al mismo tiempo, alinear los paradigmas pedagógicos universitarios actuales al nuevo perfil estudiantil de la era digital.

Palabras clave
Autonomía; Autocomunicación de Masas; Protagonismo Estudiantil; Educación Híbrida

Abstract

This article seeks to extract contributions from the concepts of “Autonomy” by Paulo Freire and “Mass Self-Communication” by Manuel Castells to help understand the processes of strengthening student protagonism in times of hybridism in education. As a methodology, we opted for a qualitative approach, applying the technique of bibliographic research, in order to analyze the literature of the above concepts, within the current context of Covid-19. Among the results of the research, in addition to consolidating the principle of student protagonism as the “central pillar” for the success of hybrid education, there was an urgent need to initially literate and make the student aware of digital citizenship and, at the same time, align the current university pedagogical paradigms to the new student profile of the digital age.

Keywords
Autonomy; Mass Self-Communication; Student Protagonism; Hybrid Education

Introdução

Protagonismo, autonomia e personalização1 1 Na língua portuguesa, o termo “protagonismo” aparece aproximadamente 18 milhões de vezes no buscador do Google; o termo “autonomia” aparece 45 milhões de vezes e “personalização” aparece 24 milhões de vezes. são expressões que ocupam lugar central nas pesquisas e no “ato” comunicativo do indivíduo imerso no ecossistema da “Autocomunicação de Massa” praticada por bilhões de usuários em redes digitais personalizadas. Assim introduz Castells (2013, p. 15)CASTELLS, M. C@mbio: 19 ensayos fundamentales sobre como internet esta cambiando nuestras vidas. Madrid: OpenMind/BBVA, 2014.: “nos últimos anos, a mudança fundamental no domínio da comunicação foi a emergência do que chamei de autocomunicação – o uso da internet e das redes sem fio como plataformas da comunicação digital”.

Especificamente no campo da Educação, graças à popularização progressiva da autonomia comunicacional e informacional nas redes digitais, participamos, direta ou indiretamente, da cultura da aprendizagem ubíqua (u-learning), da aprendizagem via dispositivos móveis (m-learning), da aprendizagem via meios eletrônicos em geral (e-learning), da cultura dos Cursos Massivos Abertos Online (MOOCs), enfim, da cultura das Plataformas Digitais de Aprendizagem (Digital Learning Platforms).

Esses diversos formatos de ensino-aprendizagem on-line vinham se consolidando lentamente nas últimas décadas, porém, com a pandemia da Covid-192 2 Para saber mais informações sobre a Covid-19, acesse o site do Ministério da Saúde. Disponível em: https://covid.saude.gov.br. Acesso em: 4 mar. 2021. , ao longo do ano de 2020, elas se tornaram tábuas de salvação para todas as instituições de ensino que adotaram a modalidade do Ensino Remoto Emergencial.

Se em 2020 fomos obrigados ao distanciamento social, que impôs a todos o Ensino Remoto pleno, a partir de 2021 o “ensino híbrido” passa a ganhar, progressivamente, o coração dos professores, assim como dos pesquisadores que investigam este fenômeno. Todavia, vivendo imerso na cultura da acessibilidade, quando tudo está a um clique de distância, diluindo assim os muros das escolas e universidades que separavam o aprendiz do acesso ao conhecimento, mais do que falar em “ensino híbrido”, faz sentido optar pela expressão “educação híbrida”, por contemplar concomitantemente ensino-aprendizagem híbrido formal e informal. Com a pandemia, percebemos a urgência de ressignificar ou reinventar não apenas a modalidade de “ensino”, mas o complexo sistema educacional, com destaque neste artigo à educação superior.

Se por um lado a Covid-19 trouxe dores, perdas, desestruturação pessoal e social, isolamento e crises de diversas naturezas em todo o planeta, por outro ela provocou uma grande revolução para todas as instituições de ensino presencial. A pandemia conduziu bilhões de pessoas a uma reflexão mais profunda sobre o “ser” e o “agir” em todos os ambientes de trabalho, entre eles, o do campo da Educação.

Especificamente nas instituições de ensino, o novo coronavírus proibiu os professores de lecionar em salas de aula. Nesse contexto, em pouquíssimo tempo, cada educador assumiu a condição de protagonista e transformador do seu próprio fazer pedagógico, trocando, bruscamente, o presencial pelo ensino remoto, a fim de continuar correspondendo às demandas do educando em tempos de pandemia.

Ao viver imersos em ecologias midiáticas digitais e empoderar-se delas para viver e fazer quase tudo, os educandos e educadores tiraram as redes digitais da periferia do espaço acadêmico e as colocaram como locomotivas do processo de ensino-aprendizagem. A sensação foi de estranhamento por parte de alguns, de rejeição por parte de outros e de apropriação por parte de muitos. A internet, com todas as suas contradições – de exclusão, de baixa velocidade e de escassa alfabetização digital – está sendo a principal ambiência onde acontece o processo de hibridização da educação.

O híbrido ou a hibridização não são propriedades exclusivas do campo da Educação, mas processos socioculturais em que práticas ou estruturas postas diante de novos contextos, desafios ou problemas se combinam e recombinam para produzir novos objetos, práticas e estruturas, gerando perdas e ganhos (GARCÍA CANCLINI, 2003GARCA CANCLINI, N. Culturas Hbridas. São Paulo: EDUSP, 2003.). Desse modo, a educação não seria a fusão de várias combinações possíveis de aprendizagens (blended learning), em vista da emancipação e do processo de aperfeiçoamento do ser humano? Uma das respostas vem de Moran (2015, p. 27)MORAN, J. Educação hbrida: um conceito chave para a educação. In: BACICH, T.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. M. Ensino Hbrido: personalização e tecnologia na Educação. Porto Alegre: PENSO, p. 27-45, 2015.: “A educação sempre foi híbrida, sempre combinou vários espaços, tempos, atividades, metodologias, públicos. Esse processo agora, com a mobilidade e a conectividade, é muito mais perceptível, amplo e profundo: é um ecossistema mais aberto e criativo”. Com outras palavras, a educação híbrida é a combinação de metodologias, espaços, ecossistemas midiáticos educativos on-line e off-line, com a finalidade de apresentar as melhores alternativas de aprendizagem para os estudantes.

Portanto, dentro desse contexto de educação híbrida em tempos de pandemia, nosso objetivo é descrever as contribuições dos conceitos de “Autonomia” de Freire e de “Autocomunicação” digital de Castells, em sua complementaridade, para compreender os processos de fortalecimento do protagonismo estudantil na educação superior híbrida.

Metodologicamente, optou-se por uma abordagem qualitativa, aplicando a técnica de pesquisa bibliográfica, com a finalidade de extrair, dos dois conceitos supracitados, fundamentos teóricos e propositivos que corroborem com o fortalecimento do protagonismo do estudante universitário, que, condicionado pelo contexto atual de Covid-19, foi bruscamente inserido na modalidade remota/híbrida, onlife3 3 O neologismo Onlife – cunhado pelo filósofo da informação Luciano Floridi, professor titular de Filosofia e Ética na Universidade de Oxford – foi inserido no Projeto “Onlife Iniciative” para descrever uma realidade infosférica e sempre mais hiperconectada, na qual não faz mais sentido fazer a distinção entre ser on-line ou ser off-line. Disponível em: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-319-04093-6. Acesso em: 22 fev. 2021. .

Em uma pesquisa de natureza qualitativa, deve-se perguntar: “Até que ponto as suas descobertas aumentam a compreensão do fenômeno estudado? Até que ponto as suas descobertas corroboram com o corpo do conhecimento existente? Isto é, elas apoiam, confirmam ou refutam o que já se sabe sobre o fenômeno?” (BLOOMBERG; VOLPE, 2016BLOOMBERG, L. D.; VOLPE, M. Completing your qualitative dissertation: a road map from beginning to end. 3. ed. London/New York: SAGE, 2016., p. 273). Seguindo, portanto, este fio metodológico, perguntamo-nos: até que ponto as descobertas feitas na pesquisa bibliográfica sobre os conceitos de “Autonomia” de Freire e “Autocomunicação de Massa” de Castells podem ajudar na reflexão sobre o protagonismo do estudante universitário, inserido no atual fenômeno da educação híbrida?

Complementaridade entre a “Pedagogia da Autonomia” de Freire e a “Autocomunicação de Massa” de Castells

Quando se diz que Freire e Castells se complementam, diz-se, portanto, que ambos se enamoram de algumas pesquisas, conceitos e opções de vida semelhantes. Embora habitando em contextos e continentes diferentes, ambos, por causa de suas lutas em defesa da Democracia, foram exilados durante os regimes de ditaduras militares e fizeram da academia um laboratório para ler, criticizar, interpretar e transformar a realidade do educando e do mundo à sua volta.

Em uma conferência em Porto Alegre, em outubro de 2016, ao falar de autonomia comunicativa na Internet, Castells exaltou o papel de Freire como o grande fomentador da pedagogia da autonomia e da liberdade do século XX: “A prática dos jovens nas redes sociais está reforçando a autonomia e a capacidade de redefinição cultural. No fundo, levando ao empoderamento dos jovens. É irônico que o país de Paulo Freire tenha esquecido a pedagogia da liberdade” (CASTELLS, 2016CASTELLS, M. Fronteiras dez anos: Manuel Castells. In. Fronteiras do pensamento, 2016. Disponvel em: http://www.fronteiras.com/artigos/fronteiras-10-anos-manuel-castells. Acesso em: 20 fev. 2021.
http://www.fronteiras.com/artigos/fronte...
, on-line)4 4 Disponível em: https://www.fronteiras.com/artigos/fronteiras-10-anos-manuel-castells. Acesso em: 26 fev. 2021. .

Para ambos, a principal missão das instituições de ensino deve ser a de emancipar a autonomia e o espírito protagonista do estudante, libertá-lo do estado de heteronomia imposto por um sistema opressor, neoliberal; tirar o estudante de uma cultura do medo, da alienação, da subserviência, para um lugar de “fala”, autônomo, responsável pelo seu próprio percurso formativo, agindo com espírito crítico, maduro e tolerante no mundo ao seu redor. Essa autonomia não tem data e hora marcadas, acontece durante toda a nossa vida, variando de acordo com o contexto intrapessoal e social de cada indivíduo. “A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. [...] ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente aos 25 anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não” (FREIRE, 2000FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000., p. 107).

Na era da autocomunicação digital, a “palavra” pode ser falada, escrita, animada em formatos variados e compartilhada em rede mundial por qualquer pessoa. “Dizer a sua palavra era para Paulo Freire o mesmo que ser sujeito: ao dizer a palavra, o mundo começa a ser transformado, num exercício de autonomia e de criação” (STRECK, 2003STRECK, D. J.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (org.). Dicionário Paulo Freire. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. apud. HERBERT, 2015, p. 129). A massa, que antes era excluída da grande mídia, sem poder de “fala”, como descreve Freire, uma massa em estado de subordinação, de silêncio, de heteronomia, hoje, com a arquitetura das redes digitais, grande parte da população já possui a autonomia de criar o seu próprio canal de mídia e por meio dele fazer chegar a sua fala a uma ou mais pessoas de qualquer lugar do planeta. Quanto mais pessoas conectadas, mais possibilidade de fazer a passagem da cultura do silêncio, criticizada por Freire, à cultura da autonomia comunicativa digital (autocomunicação), pesquisada por Castells.

Contexto e conceito da “Pedagogia da Autonomia” de Freire

O contexto político no período em que Freire escreveu o seu último livro “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa” foi marcado pela luta em favor do resgate da democracia e das liberdades roubadas durante a ditadura militar no Brasil. Freire (2006)FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. ao falar de “prática educativa” não se limitava às instituições de ensino, mas à realidade emancipadora do cidadão como um todo.

Educar na concepção freiriana não é simplesmente preparar profissional e tecnicamente o indivíduo para o mundo da fábrica. Seguindo a filosofia da maiêutica socrática, educar é elevar a alma humana, é emancipar, é conhecer a si mesmo para tornar-se senhor de si e assim ser fazedor do seu próprio caminho. “É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador” (FREIRE, 2000FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000., p. 36).

Já o contexto midiático de Freire – bem diferente do contexto da autonomia comunicativa nas redes digitais de Castells – foi marcado pelos Meios de Comunicação de Massa, topdown, unidirecional, restritos às elites políticas, culturais e coronelistas. A classe operária, os analfabetos, os pobres que representavam a maioria do povo brasileiro, apenas eram consumidores passivos de tudo aquilo que propagavam nos jornais, rádio e TV.

Foi em meio a essa realidade política e midiática opressora, convivendo com povo sem poder de “voz” nas mídias de massa, tratado como “massa anônima”, que Freire tornou-se mundialmente reconhecido, ao emancipar e promover a autonomia e o protagonismo das pessoas, preferencialmente das classes mais vulneráveis, pela via da Pedagogia da Autonomia e da educação libertadora.

A descrição de autonomia de Freire tem forte ressonância com os pensadores que lhe precederam. Precisamente, já sentimos nuances na Alegoria da Caverna, quando Platão (1990)PLATÃO. A República. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990. nos revela que somente é possível sair do interior da caverna para a luz através de uma faculdade da alma: a educação. Dizia Freire (2006, p. 98) que “o ambiente da escola pode-se constituir num dos espaços fundamentais aos seres humanos exercitarem as práticas de emancipação individual e coletiva”.

Etimologicamente, autonomia é composta pelas palavras gregas: autós (por si mesmo) e nomos (norma, lei), isto é, a capacidade de autodeterminação, estabelecendo a si mesmo as próprias leis ou normas. Para Blackburn (1997)BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1997., autonomia se opõe à heteronomia – a pessoa é heterônoma quando sua vontade está sob o controle de outra pessoa e quando age por desejos não legislados pela razão. Assim sendo, tomando como referência a Alegoria da Caverna de Platão, autonomia é a vontade humana de ser livre, de governar a si mesmo, de tomar rédea da sua própria vida. Isso acontece quando o homem deixa a luz afugentar as sombras (heteronomias) refletidas nas paredes da nossa “caverna” (alma) interior.

No pensamento moderno kantiano, autonomia é tomar suas próprias decisões, sendo ‘senhor’ de si mesmo, sabendo diferenciar o que é bom e o que é mal, o que liberta e o que aliena/escraviza. Autonomia é vencer a menoridade autoimposta (KANT, 2003KANT, I. Resposta à pergunta: que é esclarecimento. Espaço Acadêmico, Cascavel, PR, n. 31, 2003.).

Na pedagogia freiriana, portanto, a “Autonomia” é, antes de tudo, libertar-se das heteronomias impostas pelos poderes constituídos, caracterizados por sistemas políticos e econômicos seletivos, opressores e excludentes, para tornar-se um sujeito, com vez e voz, autor do seu pensar e agir no mundo. A construção dessa autonomia é semelhante a um espiral infinito, ou seja, um “caminho” inacabado, não ocorre em hora agendada, é um “vir a ser”, é um contínuo processo de amadurecimento (FREIRE, 2000FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.).

Contexto e conceito de “Autocomunicação de Massa”

Para Castells (2017, p. 188-189)CASTELLS, M. O poder da comunicação. 2a. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra, 2017., vivemos o início de uma nova era comunicativa porque a natureza descentralizada, horizontal e interativa das redes digitais “introduz uma nova forma de comunicação, a autocomunicação de massa, que multiplica e diversifica os pontos de entrada no processo de comunicação. Isso gera uma autonomia sem precedentes para os sujeitos comunicativos”.

Assim, a Autocomunicação de Massa seria “uma nova forma de comunicação interativa, caracterizada pela capacidade de enviar mensagens de muitos para muitos, em tempo real ou no tempo escolhido” (CASTELLS, 2017CASTELLS, M. O poder da comunicação. 2a. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra, 2017., p. 101). A esta forma associa-se, ainda, o uso da comunicação narrowcasting e broadcasting (CASTELLS, 2017CASTELLS, M. O poder da comunicação. 2a. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra, 2017.).

Em uma velocidade muito superior à das mídias anteriores – jornal impresso, telégrafo, rádio, TV etc. – atualmente, mais da metade da humanidade já está imersa em um ecossistema comunicativo de redes digitais e, por meio dele, cada pessoa pode, potencialmente, protagonizar sua aprendizagem e dar voz aos seus sonhos, suas indignações, suas curiosidades e projetos de qualquer natureza, seja para um grupo selecionado em plataformas digitais fechadas (Telegram, WhatsApp, grupo no Facebook etc.) ou para públicos em escala glocal (local e global) presentes em plataformas abertas (Twitter, Instagram, Blog, TikTok etc.).

O Facebook detém a maior população do planeta, com aproximadamente 2 bilhões e 196 milhões de habitantes, quase o dobro da população da China. A segunda maior nação é o YouTube, com cerca de 1 bilhão e 900 milhões de perfis vinculados. O WhatsApp ocupa o terceiro lugar, com 1 bilhão e 500 milhões de inscritos (DI FELICE, 2021DI FELICE, M. A cidadania digital: a crise da ideia ocidental de democracia e a participação nas redes digitais. São Paulo: PAULUS, 2021., p. 33). Além dessas, há dezenas de outras redes de mídias digitais (Telegram, TikTok, Twitter, Clubhouse etc.) povoadas por milhões de usuários.

Esse inédito cenário midiático que estamos vivendo nas últimas duas décadas é reflexo de uma “transformação revolucionária da tecnologia, morfologia e organização da comunicação socializada, que tem o potencial de incluir em seu processo o conjunto da sociedade” (CASTELLS, 2011CASTELLS, M. Autocomunicacion de masas y movimentos sociales en la era de internet. Revistes Cientifiques de la Universitat de Barcelona. Anuari del Conflicte Social, Barcelona, p. 11–19, 2011. Disponvel em: https://is.gd/8vf4fX. Acesso em: 25 fev. 2021.
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, p. 11). Essa mudança paradigmática na comunicação, com a popularização de dispositivos digitais abertos e acessíveis a todos, emancipa a interação e o intercâmbio de mensagens, aumentando a autonomia comunicativa do indivíduo inserido no ambiente digital. Até pouco tempo, apenas as corporações de comunicação possuíam o poder comunicativo nas mídias de massa. Com a chegada da Internet, esse tradicional modelo hierárquico e fechado das empresas de comunicação vem sendo confrontado com o poder/contrapoder comunicativo de milhões de vozes que interagem em tempo real no ambiente das redes digitais. Isso acontece haja vista que “a nova cultura da autonomia encontrou nas redes de comunicação por internet e telefonia móvel um meio incomparável de autocomunicação e auto-organização de massa” (CASTELLS, 2014CASTELLS, M. C@mbio: 19 ensayos fundamentales sobre como internet esta cambiando nuestras vidas. Madrid: OpenMind/BBVA, 2014., p. 19). Assim, neste novo espaço interativo e horizontal, a Autocomunicação de Massa constrói redes de comunicação autônomas capazes de desequilibrar o poder e o controle dos grupos de comunicação a nível global, pertencentes a governos e corporações e, ademais, constrói ainda a capacidade das pessoas conectadas provocarem mudanças nas formas de relação de poder na sociedade (CASTELLS, 2007CASTELLS, M. Communication, power and counter-power in the network society. International Journal of Communication. Los Angeles, p. 238–266, 2007., p. 248).

Tendo como referência metodológica o paradigma comunicativo de Lasswell5 5 Lasswell (1948) foi um dos pioneiros em analisar o “ato” comunicacional nos Meios de Comunicação de Massa, partindo do “Quem? Diz o quê? Por qual canal? Com que efeito? Para quem?”. , a originalidade que emerge com a autocomunicação digital consiste em:

  • Quem envia: foi quebrada a exclusividade hegemônica da mídia de massa com o público. Os profissionais dos meios de comunicação de massa são forçados a conviver com o público das mídias sociais.

  • O que é enviado: aumentou, como nunca, a quantidade de fontes de informação, pois qualquer pessoa conectada à rede pode produzir e emitir conteúdo na rede. Daí surgem novas formas de filtros para selecionar, categorizar e analisar o volume de dados disponíveis nas mídias digitais.

  • Em que canal: o controle de canais concentrados nas mãos de grandes corporações midiáticas continua existindo, porém, convivendo ao lado da explosão de milhões de canais de mídias sociais, com potenciais de emitir e publicar em escala global.

  • Para quem: a mídia de massa baseia-se em uma comunicação unidirecional e vertical realizada por profissionais de comunicação com a finalidade de comercializar aos clientes o produto (informação) do seu proprietário ou corporação de comunicação. Eles também devem coexistir com a comunicação alternativa presente nas mídias sociais que descreve parte significante do que está acontecendo na sociedade, em tempo real (DEL FRESNO, 2017DEL FRESNO, M. We the new media: the disruption of social media in interpersonal and collective communication. In: CABRERA, M.; LLORET, N. (org.). Digital tools for academic branding and self-promotion. Hershey PA: IGI Global, p. 11-30, 2017.).

O novo ecossistema comunicativo retira os profissionais de comunicação de massa da zona de conforto, de maneira que são forçados a inserirem-se no desconfortável ambiente das mídias sociais. Este “híbrido” ambiente midiático digital forma um universo de pessoas interconectadas que, juntas, imersas em uma única rede de comunicação, compartilham informações, percepções, crenças e rumores em tempo real (FREITAS, 2019FREITAS, T. C. Autocomunicação de massa na cultura digital a partir de Manuel Castells: um estudo de caso entre os estudantes de comunicação no Nordeste do Brasil. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) - Faculdade de Ciências da Comunicação, Universidade Pontifcia Salesiana de Roma, Itália, 2019., p. 52-53).

Focando especificamente no campo da Educação, com o novo paradigma da autocomunicação digital e o reconhecimento de uma multiplicidade de conhecimentos circulantes, a escola deixa de ser o lugar central da legitimação do saber. “Essa diversificação e difusão do saber, fora da escola, é um dos desafios mais fortes que o mundo da comunicação apresenta ao sistema educacional” (MARTIN-BARBERO, 2011MARTN-BARBERO, J. Desafios culturais da comunicação à educomunicação. In: CITELLI, A. O.; COSTA, M. (org.). Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011., p. 126).

Diferentemente das mídias tradicionais, as novas mídias digitais não são apenas instrumentos de transmissão de conteúdo, mas “ambiências” ou “ecologias” de convivências, de interações síncronas e assíncronas. O Brasil é o segundo país do mundo a viver mais tempo na ambiência digital, passando em média, diariamente, nove horas e vinte nove minutos conectados. Isso significa que, dos 365 dias do ano, vivemos 145 dias no ecossistema das redes digitais (KEMP, 2019KEMP, S. Digital trends 2019: Every single stay you need to know about the internet. Disponvel em: https://is.gd/gWdBLg. Acesso em: 29 fev. 2021.
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).

No Brasil, o desafio da exclusão no acesso e na alfabetização digital segue o mesmo fio de exclusão das outras necessidades básicas. Segundo a última avaliação do desenvolvimento da internet no Brasil, apresentada pela UNESCO (2021)UNESCO. Avaliação do desenvolvimento da internet no Brasil. Disponvel em: https://is.gd/ZKXVdA. Acesso em: 27 fev. 2021.
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, um em cada quatro brasileiros não tem internet; 95% na classe A acessam a internet; 93% na classe B; 78% na classe C; 57% nas classes D e E e entre os analfabetos apenas 16%. Ao longo da história, as inovações tecnológicas sempre beneficiaram as pessoas que têm condições financeiras e abertura cultural para usufruí-las, bem como geram uma exclusão social das pessoas que não podem usufruí-las. A educação, portanto, é a única via que pode reduzir essa exclusão.

A popularização progressiva das redes digitais e o seu potencial interativo de trocas de saberes, culturas, serviços e produtos geraram nas últimas décadas novos espaços públicos de aprendizagem, novas expressões de ativismo político, novas formas de participação e cidadania (SEBASTIÃO; PACHECO; SANTOS, 2012SEBASTIÃO, S.; PACHECO, A.; SANTOS, M. Cidadania Digital e Participação Poltica: o caso das petições online e do orçamento participativo. Universidade Técnica de Lisboa: Portugal, 2012.). As características das plataformas de redes digitais – hipertextuais, ubíquas, horizontais, globalizadas, multimidiáticas – permitem que cada estudante ou usuário acesse e compartilhe conteúdos, informações, de forma personalizada, seguindo seu percurso de acordo com as escolhas dos seus cliques: uma curtida no Twitter leva a um blog, que leva para um artigo científico, que leva para uma aula no YouTube, que leva para uma oferta de um serviço ou produto e assim por diante.

A contribuição da “Pedagogia da Autonomia” e da “Autocomunicação” digital para o protagonismo estudantil na educação híbrida

Iluminados pelas reflexões oriundas da Pedagogia da Autonomia de Freire e da Autocomunicação digital de Castells, inicialmente, antes de apresentar algumas proposições para o fortalecimento do protagonismo estudantil em tempos de hibridismo na educação, introduzimos com alguns questionamentos:

  • Como os estudantes universitários estão pesquisando e aprendendo, hoje, na era da autonomia comunicativa digital?

  • Como desenvolver a partir do ensino-aprendizagem híbrido, paradigmas educacionais alinhados aos dois perfis predominantes de estudantes: aquele hiperconectado, “eu-mídia”, empoderado digitalmente e aquele perfil de estudante sem acesso à rede ou com escasso acesso?

  • As instituições acadêmicas universitárias estariam conscientes do significado do advento de um novo paradigma midiático-comunicativo, descentralizado, ubíquo, horizontal, como o inédito paradigma da autocomunicação de massa, abraçado à exaustão pelos estudantes, no ecossistema das redes digitais?

  • Se a prática da autocomunicação digital descentraliza a mídia de massa em milhões de “eu-mídias”, enfraquecendo como nunca antes o comando e o controle do acesso ao conhecimento, como pensar e planejar a educação híbrida, alinhada às novas habilidades e competências do estudante da era da aprendizagem conectada (connected learning)?

  • Se a universidade é um ambiente que prepara o estudante para compreender e viver na cultura do seu tempo – que hoje é cada vez mais híbrida, onlife, ambígua, hiperconectada, e que requer, consequentemente, um ser humano mais autônomo, protagonista, flexível, a fim de corresponder com as características da cultura algorítmica das plataformas digitais – que sentido faz o atual modelo de ensino-aprendizagem massivo, padronizado, linear, muito semelhante com o ensino aplicado para formar o sujeito-operário da Sociedade Industrial do Século XIX?

Em tempos incertos, complexos e de profundas transformações nos sistemas educativos, os questionamentos ocupam lugar central na vida de todo educando e educador. Primeiro, porque na educação hibridizada da era digital, não servem as fórmulas padronizadas de ensino, como funcionavam os modelos de educação de massa (linear, rígida, topdown) até o século passado; segundo, porque cada estudante tem um mindset único na construção da sua aprendizagem; terceiro, porque vivemos em um país secularmente caracterizado pela exclusão aos direitos básicos, entre eles, ao direito ao acesso à internet de qualidade. Depois, ter acesso à rede não significa dizer que o estudante esteja geneticamente/culturalmente preparado para extrair o que há de melhor no ecossistema digital para a realização do seu projeto de vida.

Hoje, somos convidados a nos reinventar diariamente já que a velocidade das mudanças é incomparável com as do passado. Todo dia surgem novas tecnologias, novos desafios, novos trabalhos. Uma criança que hoje está no seu primeiro ano de escola ocupará trabalhos que ainda não existem, com paradigmas e técnicas que os seus pais e professores desconhecem. Por isso, de forma direta ou indireta, todo estudante universitário está sendo influenciado por essa revolução midiática-civilizacional-digital. “A difusão de plataformas digitais e redes de interação entre humanos, softwares, algoritmos, dados, superfícies e objetos conectados contribuiu para a criação de um novo tipo de ecologia, que não é mais sujeitocêntrica, mas reticular e interativa” (DI FELICE, 2021DI FELICE, M. A cidadania digital: a crise da ideia ocidental de democracia e a participação nas redes digitais. São Paulo: PAULUS, 2021., p. 10).

Especificamente no campo da Educação, segundo Martín-Barbero (2014)MARTN-BARBERO, J. A comunicação na educação. São Paulo: Contexto, 2014., a revolução na era digital dá-se a partir da perspectiva da descentralização do saber. Atrelado a isso, há, também, a deslocalização e a destemporalização da aprendizagem, que substituem a centralidade e a linearidade tradicional do processo de ensino-aprendizagem. O novo viés pelo qual o conhecimento é transmitido não implica necessariamente no desaparecimento da escola, mas na sua transformação para atuar no ambiente tecno-comunicativo dos saberes-sem-lugar-próprio (MARTÍN-BARBERO, 2014MARTN-BARBERO, J. A comunicação na educação. São Paulo: Contexto, 2014.).

Se o estudante, como demonstrou Castells (2019)CASTELLS, M. Fronteiras dez anos: Manuel Castells. In. Fronteiras do pensamento, 2016. Disponvel em: http://www.fronteiras.com/artigos/fronteiras-10-anos-manuel-castells. Acesso em: 20 fev. 2021.
http://www.fronteiras.com/artigos/fronte...
em suas pesquisas, está a um clique de distância do acesso a qualquer conhecimento, isto é, se digitalizaram e copiaram o livro do professor; se colocaram em rede todos os livros, revistas e artigos das bibliotecas; se derrubaram os muros de escolas e universidades; enfim, se quase todo o conhecimento humano está disponível em nossos dispositivos móveis (celular, tablet, laptop), a principal missão das instituições de ensino seria oferecer-lhe as habilidades necessárias para fortalecer/robustecer o espírito protagonista, a fim de que ele seja capaz de percorrer com autonomia o seu processo de aprendizagem, em vista da realização do seu projeto de vida.

Ao reconhecer o estudante na condição de protagonista da construção da sua aprendizagem, reduz-se a desmotivação e a evasão escolar, consideradas nos últimos anos como grandes desafios a serem superados. Uma pesquisa feita pelo Ibope, publicada na Revista Nova Escola, em novembro de 2007, já revelava a necessidade de ressignificar as práticas pedagógicas para diminuir a desmotivação e a falta de atenção dos estudantes em sala de aula. Para 70% dos professores, a desmotivação dos estudantes era considerada um dos principais problemas da sala de aula, seguidas da falta de atenção e indisciplina (VASCONCELLOS, 2011VASCONCELLOS, C. S. Formação didática do educador contemporâneo: desafios e perspectivas. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PROGRAD. Caderno de Formação: formação de professores didática geral. São Paulo: Cultura Acadêmica, v. 9, p. 33–58, 2011., p. 34).

Entre outros elementos que podem contribuir para o fortalecimento do espírito protagonista do estudante na era da educação híbrida, destacamos, por exemplo, a relevância de:

  • Ressignificar as convencionais pedagogias universitárias, que ainda se assemelham à concepção “bancária” e “broadcasting” de lecionar, por pedagogias focadas na “personalização” da educação, através do uso de metodologias ativas, gamificadas, dialógicas e que correspondam ao novo perfil do estudante da era da autocomunicação digital, um ser autônomo, multimodal, non-linear, protagonista e interativo;

  • Desenvolver no estudante o pensamento computacional, para que ele molde as tecnologias (IA, Big Data, Blockchain) às reais necessidades do seu problema de pesquisa ou do seu projeto de estudo;

  • Educar e conscientizar o estudante para os riscos das “bolhas” algorítmicas e para a compreensão da lógica mercadológica e ideológica (capitalismo) dos magnatas das plataformas e mídias digitais, que violam o direito da proteção dos dados e o princípio da isonomia e da neutralidade da rede;

  • Na era da abundância de informação, ajudar o estudante a desenvolver habilidades técnicas-cognitivas e socioemocionais para filtrar o que realmente “importa” para a realização do seu projeto acadêmico/de vida;

  • Alfabetizar digitalmente o estudante, apresentando os milhares de cursos on-line, recursos educacionais abertos e autoinstrucionais (SANTOS, 2013SANTOS, A. I. Recursos educacionais abertos no Brasil: o estado da arte, desafios e perspectivas para o desenvolvimento e inovação. São Paulo: Comitê Gestor da Internet, 2013.) em múltiplas plataformas digitais, tutoriais em vídeo e podcast sobre qualquer área do saber. Paralelo a isso, garantir ao estudante políticas de acesso à internet de qualidade, dentro e fora dos muros universitários;

  • Motivar o estudante a “aprender a aprender” sempre, incentivando-o à cultura da aprendizagem híbrida, ubíqua e perene;

  • Oferecer técnicas e métodos de estudos flexíveis e adaptativos à realidade e aos propósitos do estudante com e sem internet, a fim de que ele tenha a possibilidade de aprender “do seu jeito”, tornando-se, como descrito na pedagogia freiriana, um fazedor do seu próprio caminho.

A aplicação pedagógica destes e de outros elementos certamente robustecerá o protagonismo estudantil. Acreditamos que a Educação (letramento) digital é a principal via para empoderar o estudante que vive boa parte da sua vida imerso na ambiência digital, capacitando-o a uma autonomia crítica, que o permita usufruir da amplitude de oportunidades e facilidades da ambiência digital, para que não somente acesse timida ou forçadamente, mas vivencie com liberdade este universo. A própria literatura sobre a temática do Blended Learning (aprendizagem híbrida) apresenta diversas metodologias pedagógicas que colocam o estudante como protagonista do seu processo de aprendizagem, por meio da sala de aula invertida, aprendizagem entre os pares, aprendizagem baseada em problemas, cultura maker, gamificação, entre outras (MORAN, 2015MORAN, J. Educação hbrida: um conceito chave para a educação. In: BACICH, T.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. M. Ensino Hbrido: personalização e tecnologia na Educação. Porto Alegre: PENSO, p. 27-45, 2015.).

Considerações finais

Em tempos de pandemia, o protagonismo estudantil é o “pilar central” da educação híbrida. Todavia, antes de pensar em fortalecer o protagonismo estudantil, é urgente rever os paradigmas educativos vigentes. Com a emergente autonomia comunicativa nas redes digitais, visualizamos um novo paradigma, mais descentralizado, de comando e controle no acesso ao conhecimento, incompatível com os paradigmas pedagógicos dos séculos passados, ainda presentes nas instituições de ensino superior.

Kuhn (1970)KUHN, T. S. A estrutura das revoluções cientficas. São Paulo: Perspectiva S.A., 1998. Loyola, 1997., no seu livro “Estrutura das revoluções científicas”, chama de “anomalia paradigmática” quando as velhas teorias e metodologias não representam e não atendem às demandas das “ciências extraordinárias”. Os modelos teóricos e pedagógicos da era da cultura de massa do século XX não atendem às exigências da nova geração da era digital, que nasce e cresce dentro de novas ecologias tecno-midiáticas-culturais. Essa anomalia pedagógica se reverbera na fala do pedagogo português Pacheco (2017, on-line), ao afirmar que “não é aceitável um modelo educacional em que alunos do século XXI são ‘ensinados’ por professores do século XX, com práticas do século XIX”6 6 Campus Virtual Fiocruz. Disponível em: https://is.gd/YoUT4q. Acesso em: 2 jan. 2021. .

Despertar a consciência da magnitude dessas transformações tecno-midiáticas e culturais nos leva a repensar os paradigmas cognitivos, teóricos e pedagógicos de ensino-aprendizagem híbrido, inserindo-os dentro da filosofia da reintermediação descentralizada, aquela que caracteriza a própria natureza das arquiteturas das redes sociais digitais.

Nesse contexto de revolução civilizacional midiática, a luta por um protagonismo estudantil deve ser um imperativo ético e urgente. Se a pedagogia da autonomia foi a maior bandeira de luta de Freire, no auge dos meios de comunicação de massa, hoje, com formatos e paradigmas comunicativos diferentes (autocomunicação digital), a educação para o protagonismo estudantil deve ser a principal vocação e missão das instituições de ensino superior. Essa urgência de um estudante fazedor do seu próprio caminho acelera com a crescente hibridização das instituições universitárias, que, vivendo a incerteza de novas pandemias, vão se adaptando às novas metodologias de ensino-aprendizagem onlife, buscando extrair o que há de melhor no ambiente on-line e o melhor no mundo off-line, a fim de oferecer ao estudante as melhores vias para desenvolver as competências necessárias, em vista da realização do seu projeto acadêmico/de vida.

Enfim, temos consciência que as reflexões aqui suscitadas – à luz da “Autonomia” de Freire e da “Autocomunicacão” de Castells, sobre a relevância do protagonismo estudantil em tempos de hibridização da educação – são um simples convite para entrar em uma das principais arenas de estudos que se consolidará nos pós-pandemia. Diferente do modelo educativo desenhado a partir da filosofia da cultura de massa do século passado, as novas metodologias e pedagogias da educação na era da Cultura Digital Onlife redesenharão radicalmente os paradigmas da educação do século XXI, a fim de corresponder com a filosofia de vida do novo estudante da aprendizagem conectada (connected learning) e ubíqua: mais autônomo, protagonista e construtor do seu próprio percurso de aprendizagem.

  • 1
    Na língua portuguesa, o termo “protagonismo” aparece aproximadamente 18 milhões de vezes no buscador do Google; o termo “autonomia” aparece 45 milhões de vezes e “personalização” aparece 24 milhões de vezes.
  • 2
    Para saber mais informações sobre a Covid-19, acesse o site do Ministério da Saúde. Disponível em: https://covid.saude.gov.br. Acesso em: 4 mar. 2021.
  • 3
    O neologismo Onlife – cunhado pelo filósofo da informação Luciano Floridi, professor titular de Filosofia e Ética na Universidade de Oxford – foi inserido no Projeto “Onlife Iniciative” para descrever uma realidade infosférica e sempre mais hiperconectada, na qual não faz mais sentido fazer a distinção entre ser on-line ou ser off-line. Disponível em: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-319-04093-6. Acesso em: 22 fev. 2021.
  • 4
  • 5
    Lasswell (1948) foi um dos pioneiros em analisar o “ato” comunicacional nos Meios de Comunicação de Massa, partindo do “Quem? Diz o quê? Por qual canal? Com que efeito? Para quem?”.
  • 6
    Campus Virtual Fiocruz. Disponível em: https://is.gd/YoUT4q. Acesso em: 2 jan. 2021.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2019
  • Aceito
    06 Mar 2021
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